Somos (todos) um lugar estranho
Com a presente exposição, intitulada "Reflexão do Lugar", o artista plástico Trindade Vieira (natural da Madeira) prossegue no caminho reflexivo onde se cruza a temática dos lugares e a relação destes com a ontologia da matéria. Trata-se de uma abordagem artística que o mesmo autor tem vindo a privilegiar e que está presente em outros trabalhos, já anteriormente apresentados, como, por exemplo, na exposição "Contemplação Topográfica" (Funchal, 2004).
Desta vez, o autor decompõe certas paisagens que se encontram inscritas no seu universo pessoal, utilizando-as e (re)transformando-as em composições que servem ao espectador como uma espécie de porta de entrada para um novo espaço -em rigor, um espaço de reflexão, mais do que de pura contemplação, reclamando assim a presença de um espectador activo e empenhado. Porque, assim, os trabalhos desta exposição interpelam-nos, como que interrogando essa complexa teia que se tece entre a vida e os lugares onde esta decorre. A questão que Trindade Vieira parece levantar é se não somos (todos) um lugar estranho. Um lugar que se estranha primeiro, e se entranha depois?
Partindo da decomposição inicial, da desconstrução de uma geografia pessoal do artista, a presente exposição consegue colocar em evidência as estruturas que se diriam elementares, mas que, na maioria das vezes, nos escapam quando dirigimos o nosso olhar à realidade designada, aquela que se estende, de facto, à nossa frente, condicionada pelo tempo e pelo modo da geografia.
Ao decompor essa realidade por camadas, Trindade Vieira alerta-nos para uma dimensão múltipla da nossa própria existência, ajuda-nos a superar o umbral da realidade física ou material, ao mesmo tempo que nos remete para esse lugar de reflexão sobre o Ser.
Trindade Vieira convida-nos, assim, a transpor uma Geografia (pura) do Espaço e a instaurar o que chamaríamos de uma Geografia da Existência. Em vez de lugar à deriva, o autor oferece-nos um espaço ancorado no seu próprio universo pessoal, recorrendo às cores e às invariantes que nele se encontram de facto (as bananeiras, as casas, os campos, as cores).
Desta forma, as obras aqui apresentadas assumem-se como pontes entre essa geografia universal e o lugar da interrogação ontológica, o lugar onde cada um se interroga sobre os lugares interiores -não representáveis -de cada um. Além disso, Trindade Vieira consegue, de forma sibilina, recorrer a uma metonímia (plástica) que, além de identificadora em relação ao autor e ao universo deste, parece ir de encontro a um dilema do qual também outros saberes -da Filosofia à Biologia -se têm ocupado ao longo dos tempos, é claro que, segundo as suas linguagens próprias. Por outras palavras, o que parece estar em causa é o seguinte: é o lugar uma expressão do que somos, ou é ele que determina o nosso conteúdo (interior) e a nossa expressão (exterior)?
O olhar questionador que Trindade Vieira tem privilegiado ao longo do seu percurso artístico surge, assim, fortemente conectado com esta problemática. Expressão e conteúdo nem sempre se encontram no mesmo lugar. Para além da metonímia indagadora já referida, o trabalho que agora se revela ao público é, uma vez mais, uma metáfora. Ao desestruturar a sua geografia pessoal, o autor oferece-nos uma visão mais complexa -diria mesmo, mais honesta -da vida que o percorre interiormente. Aos lugares reais, físicos, sucedem-se no trabalho de Trindade Vieira os não-lugares, dando, pelo caminho, e ainda que de forma sibilina, uma hipótese de resposta. Se a geografia determinasse, tout cour, a nossa existência, então os não-lugares corresponderiam a não-existências. Em todo o caso, mais do que oferecer-nos a sua perspectiva pessoal, Trindade Vieira continua aqui centrado nessa dialéctica, sempre difícil de definir ou conceber, entre o universo dos lugares e o universo da existência. Num mundo como o nosso actual, em constante devi r, onde as fronteiras físicas parecem estar em permanente dissolução, as obras reunidas nesta "Reflexão do Lugar" são pistas úteis para a compreensão da nossa própria contemporaneidade.
Com a presente exposição, intitulada "Reflexão do Lugar", o artista plástico Trindade Vieira (natural da Madeira) prossegue no caminho reflexivo onde se cruza a temática dos lugares e a relação destes com a ontologia da matéria. Trata-se de uma abordagem artística que o mesmo autor tem vindo a privilegiar e que está presente em outros trabalhos, já anteriormente apresentados, como, por exemplo, na exposição "Contemplação Topográfica" (Funchal, 2004).
Desta vez, o autor decompõe certas paisagens que se encontram inscritas no seu universo pessoal, utilizando-as e (re)transformando-as em composições que servem ao espectador como uma espécie de porta de entrada para um novo espaço -em rigor, um espaço de reflexão, mais do que de pura contemplação, reclamando assim a presença de um espectador activo e empenhado. Porque, assim, os trabalhos desta exposição interpelam-nos, como que interrogando essa complexa teia que se tece entre a vida e os lugares onde esta decorre. A questão que Trindade Vieira parece levantar é se não somos (todos) um lugar estranho. Um lugar que se estranha primeiro, e se entranha depois?
Partindo da decomposição inicial, da desconstrução de uma geografia pessoal do artista, a presente exposição consegue colocar em evidência as estruturas que se diriam elementares, mas que, na maioria das vezes, nos escapam quando dirigimos o nosso olhar à realidade designada, aquela que se estende, de facto, à nossa frente, condicionada pelo tempo e pelo modo da geografia.
Ao decompor essa realidade por camadas, Trindade Vieira alerta-nos para uma dimensão múltipla da nossa própria existência, ajuda-nos a superar o umbral da realidade física ou material, ao mesmo tempo que nos remete para esse lugar de reflexão sobre o Ser.
Trindade Vieira convida-nos, assim, a transpor uma Geografia (pura) do Espaço e a instaurar o que chamaríamos de uma Geografia da Existência. Em vez de lugar à deriva, o autor oferece-nos um espaço ancorado no seu próprio universo pessoal, recorrendo às cores e às invariantes que nele se encontram de facto (as bananeiras, as casas, os campos, as cores).
Desta forma, as obras aqui apresentadas assumem-se como pontes entre essa geografia universal e o lugar da interrogação ontológica, o lugar onde cada um se interroga sobre os lugares interiores -não representáveis -de cada um. Além disso, Trindade Vieira consegue, de forma sibilina, recorrer a uma metonímia (plástica) que, além de identificadora em relação ao autor e ao universo deste, parece ir de encontro a um dilema do qual também outros saberes -da Filosofia à Biologia -se têm ocupado ao longo dos tempos, é claro que, segundo as suas linguagens próprias. Por outras palavras, o que parece estar em causa é o seguinte: é o lugar uma expressão do que somos, ou é ele que determina o nosso conteúdo (interior) e a nossa expressão (exterior)?
O olhar questionador que Trindade Vieira tem privilegiado ao longo do seu percurso artístico surge, assim, fortemente conectado com esta problemática. Expressão e conteúdo nem sempre se encontram no mesmo lugar. Para além da metonímia indagadora já referida, o trabalho que agora se revela ao público é, uma vez mais, uma metáfora. Ao desestruturar a sua geografia pessoal, o autor oferece-nos uma visão mais complexa -diria mesmo, mais honesta -da vida que o percorre interiormente. Aos lugares reais, físicos, sucedem-se no trabalho de Trindade Vieira os não-lugares, dando, pelo caminho, e ainda que de forma sibilina, uma hipótese de resposta. Se a geografia determinasse, tout cour, a nossa existência, então os não-lugares corresponderiam a não-existências. Em todo o caso, mais do que oferecer-nos a sua perspectiva pessoal, Trindade Vieira continua aqui centrado nessa dialéctica, sempre difícil de definir ou conceber, entre o universo dos lugares e o universo da existência. Num mundo como o nosso actual, em constante devi r, onde as fronteiras físicas parecem estar em permanente dissolução, as obras reunidas nesta "Reflexão do Lugar" são pistas úteis para a compreensão da nossa própria contemporaneidade.
Victor Ferreira
We are (all of us) a strange place
With this current exhibition, named “Reflexão do Lugar”, the plastic artist Trindade Vieira (born in Madeira), gives continuity to the reflection route where the thematic of the place crosses with its relation with the ontology of the substance. This thematic is an artistic approach that this same author have been privileging and that can be seen on other works, already presented, as for example, the exposition “Contemplação Topográfica” (Funchal 2004).This time, the author analyses certain landscapes that are registered on his personal universe, using and transforming them in compositions that provides the spectator a certain entrance gate for a new space – a space that is more to reflection than to contemplation, demanding, this way the presence of an active and determined spectator.The works of this exposition interrupts us, like if they were asking about the complexity of the web that spins between the life and the places where it occurs. The question that Trindade Vieira seems to raise is, if we are not (all of us) a strange place. A place that is wonder at first, and wonder after?Departing from the initial decomposition, from the deconstruction of the artist personal geography, the current exposition succeeds to put in evidence the structures that could be defined as elementary, but that most of the time, it escapes from us, when we look to our resigned reality laid in front of us and conditioned by time and geography.By decomposing this reality on overlays, Trindade Vieira alerts us for a multiple dimension of our existence, helping us to exceed the physical or material reality, at the same time that sends us to the place of reflection of the Being.Trindade Vieira invites us to go beyond (pure) Geography of the Space and establish what we would call Geography of the Existence. Instead of a drifted place, the author offers us an anchored place that stands on his own personal universe and appeals to the colours and to the invariances that can be found on it (banana trees, houses, fields, colours).So, the works here presented are assumed as a bridge between the universal geography and the place of ontological interrogation, a place where each person asks about interior places – non representable – of each one of us. Besides, Trindade Vieira succeeds, on a sibylline way, on appealing to a (plastic) metonymic, that beyond identifying the author and his universe, seems to go on the direction of a dilemma, from which another knowledges – Philosophy and Biology – have been studying through the years, but on their own language of course. On other words, what seems to be in question is the following: is the place an expression from what we are, or it’s the place that defines our content (interior) and our expression (exterior).The inquisitive look that Trindade Vieira has been privileging trough his artistic career comes strongly connected with this problematic. Expression and content are not always in the same place. Beyond the inquisitive metonymic already referred, what is revealed now to the public is, once more, a metaphor. At abandoning the structure of his personal geography, the author offers us a more complex vision – I would even say, more honest – of the life that goes through his interior. On Trindade Vieira works, the non-places succeed the real and physical places, giving through its course and on a sibylline form, a chance to an answer. If the geography defines tout cour, our existence, then the non-places correspond to the non-existences. Anyway, more than offering us his personal perspective, Trindade Vieira keeps focused on the dialectic, always difficult to define or to conceive, between the universe of the place and the universe of the existence. In a world like ours, that is on constant change, where the physical frontiers seem to be on a continuous dissolution, the works here reunited in “Reflexão do Lugar” are useful clues to the comprehension of our own contemporaneity.
Victor Ferreira